Mulher transexual é eleita madrinha em festa do peão de Guapiaçu; evento tem 55 anos de tradição

        Pela primeira vez na história da cidade, a madrinha da Festa do Peão de Guapiaçu (SP) é uma mulher transexual. O anúncio foi feito durante o baile de gala, no dai 03/agosto.

        Witne Lima, de 21 anos, é natural de Água Preta (PE) e mudou-se para Guapiaçu em 2019. Atualmente a jovem trabalha como nail designer e influencer nas redes sociais. Com cerca de 6 mil seguidores, Witne lembra que iniciou a transição de sexo em 2015, depois de ser questionada pela mãe. À época, ela tinha apenas 11 anos de idade.      “Minha mãe perguntou qual roupa eu queria para festa de final de ano, e eu escolhi um macacão e um salto. Ela concordou e me deu o dinheiro para comprar tal roupa. Ela sempre foi de acordo com a minha escolha”, conta.

        Lima reconhece que é uma pessoa privilegiada por nunca ter sofrido preconceito dentro da família. Segundo ela, desde criança, todos já previam que a jovem se tornaria uma mulher transexual.

       A paixão pelo segmento country despertou em Witne a vontade de fazer parte da corte em uma festa do peão. Inicialmente ela imaginava que isso seria impossível pelo simples fato de ser transexual. Lembra que uma vez chegou a perguntar sobre a possibilidade na prefeitura da cidade, mas, no primeiro momento, recebeu a resposta negativa.

        “Desde quando vim para Guapiaçu, ouvia falar sobre esse concurso da escolha da rainha do rodeio e sempre tive interesse de participar, mas tinha medo de perguntar se uma mulher trans podia participar, pois, em 2022, eu perguntei à prefeitura se poderia, e eles me falaram que eu não podia, pois meu nome não era retificado. Este ano, me aprofundei mais sobre o assunto e consegui me inscrever”, conta Witne.

        Após a inscrição, as candidatas passam por uma seletiva. Os trajes são padronizados pela organização, compostos por calça jeans, bota, chapéu e camisa preta. As mulheres também passam por um ensaio fotográfico com look country.

Baile de gala

        No baile de gala, também foram eleitas a rainha, a princesa e a garota country. Após a coroação da corte, Witne recebeu o prêmio de R$ 1mil.

        A jovem conta que, para ela, a recompensa de poder representar uma mulher transexual em um evento predominantemente conservador e masculino vai muito além de uma recompensa financeira.

        “Fazer parte da corte do rodeio 2024 de Guapiaçu é muito emocionante, um sonho realizado por viver essa experiência”, frisa Witne.

        A Festa do Peão de Guapiaçu ocorre entre os dias 29 e 31/agosto. O evento, que está na 55ª edição, é tradicionalmente dominado pelo público masculino, devido às montarias. Também conta com shows sertanejos.

        Além de Witne, outra mulher transexual também se inscreveu na competição. Lima disputou com outras 16 candidatas.

        Para Denis Angelo, um dos organizadores da festa, as duas transexuais foram tratadas com total igualdade em relação às demais participantes. “Afinal, sabíamos dos direitos, e, para nós da comissão, não havia distinção, tanto que tratamos todas as candidatas da mesma forma. Entendemos que todas elas lidam com sonhos e expectativas, então, em todas as etapas, acolhemos as participantes e as encorajamos a acreditarem nos seus potenciais individuais. Sendo a Witne uma candidata, tínhamos ciência que, dentre as 17, ela poderia ser a escolhida”, explica Denis.

        Ele diz, ainda, que a escolha foi feita com base no decreto 8.727, de 28/abril/2016, que garante e reconhece a identidade de gênero. A ideia é que cada vez mais pessoas possam realizar os respectivos sonhos, independentemente da identificação de sexo.

       “Com a vitória da Witne, abrirmos um processo de conscientização sobre a luta por direitos das identidades trans, uma comunidade que, muitas vezes, é impedida de ter acesso a direitos básicos. Penso que termos uma madrinha trans como escolhida pelos jurados prova que podemos ter ações acolhedoras, que respeitem e reconheçam as suas identidades”, finaliza Denis.

Representatividade

        A escolha da madrinha da festa de peão em uma cidade interiorana, de aproximadamente 20 mil habitantes, levanta a questão da importância de naturalizar as características de cada pessoa.

        O advogado Eder Serafim, morador de Guapiaçu e Secretário Estadual da Comissão de Diversidade e Gênero da (OAB), explica que recebeu a notícia com muita satisfação. Ele acredita que esse é apenas o primeiro passo para o respeito e o reconhecimento de gênero.

        “Nós temos que naturalizar a presença das pessoas trans em todos os espaços, temos que desconstruir esse pensamento de que ‘tal lugar’ é conservador e não cabe a diversidade. Atualmente, isso é inadmissível, diversidade existe, e temos que ocupar todos os espaços, independentemente dos gostos pessoais daqueles que se consideram conservadores”, explica Serafim.

(Fonte: G1 São José do Rio Preto e Araçatuba)