CFM proíbe bloqueio hormonal para crianças e adolescentes trans no Brasil

        O CFM (Conselho Federal de Medicina) publicou nesta quarta-feira (16/abril), no Diário Oficial da União, uma nova resolução que revisa os critérios éticos e técnicos para o atendimento a pessoas com incongruência e/ou disforia de gênero. Entre as principais mudanças, está a proibição do uso de bloqueadores hormonais em crianças e adolescentes trans e a elevação da idade mínima para o início da hormonioterapia para 18 anos.

        A nova norma, aprovada por unanimidade pelos 28 conselheiros do CFM no último dia 08/abril, também restringe o acesso de jovens trans a cirurgias relacionadas à redesignação de gênero. Procedimentos com potencial efeito esterilizador, como a neovulvovaginoplastia e a retirada de útero e ovários, agora só poderão ser realizados a partir dos 21 anos.

        Até então, a resolução vigente desde 2019 permitia o bloqueio hormonal em caráter experimental, sob protocolos de pesquisa realizados por hospitais universitários vinculados ao SUS. A prática era usada para evitar o desenvolvimento de características físicas do sexo atribuído ao nascimento até que os adolescentes tivessem idade para tomar decisões sobre sua identidade de gênero.

Já a hormonioterapia, que envolve o uso contínuo de testosterona ou estrogênio, era permitida a partir dos 16 anos. Com a nova resolução, só poderá ser iniciada por maiores de 18 anos.

        Durante coletiva de imprensa, o relator da resolução, Raphael Câmara, afirmou que o endurecimento das regras foi motivado por uma suposta elevação nos casos de arrependimento pós-transição observada em estudos internacionais.  Contudo, ele admitiu a falta de evidências robustas e reconheceu que os dados analisados não são conclusivos nem abrangem a realidade brasileira.

        “Hoje não temos uma resposta exata. Mas, como um tribunal ético, o CFM deve agir com prudência diante da falta de evidência sólida”, declarou Câmara.

        O conselheiro também sugeriu a hipótese de sobre diagnóstico de disforia de gênero em crianças, citando situações em que preferências por roupas ou brinquedos estariam sendo interpretadas como sinais de identidade trans. A afirmação, no entanto, foi feita sem apresentação de dados.

        A nova resolução gerou forte reação de entidades da sociedade civil e de especialistas. A Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e a Associação Mães pela Diversidade denunciaram o caso ao MPF (Ministério Público Federal), que instaurou procedimento para investigar a legalidade da norma.

        O procurador regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Lucas Costa Almeida Dias, solicitou ao CFM esclarecimentos técnicos e jurídicos em até 15 dias. Ele citou decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) que reforçam o direito à identidade de gênero e lembrou que a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a transexualidade da lista de transtornos mentais em 2018.

        Em nota, a Antra afirmou estar diante de mais uma tentativa de cerceamento de direitos e classificou a resolução como “retrocesso perigoso”. A entidade também destacou que o documento contraria a política de saúde vigente e os princípios da dignidade humana.

        A justificativa do CFM de seguir mudanças ocorridas em países como Reino Unido, Suécia e Finlândia também gerou polêmica. De fato, revisões recentes nesses países apontaram a falta de estudos de alta qualidade sobre os efeitos do bloqueio hormonal. A Cass Review, no Reino Unido, destacou que não é possível concluir o impacto da técnica na saúde mental e no desenvolvimento cognitivo.

        Por outro lado, uma ampla pesquisa publicada em 2022 pela revista The Lancet Child & Adolescent Health, que acompanhou 720 adolescentes trans na Holanda por quase duas décadas, mostrou que 98% dos indivíduos continuaram com a transição após o uso de bloqueadores hormonais. Os pesquisadores não encontraram indícios significativos de arrependimento.

        “Descobrimos que a grande maioria das pessoas manteve o uso de hormônios de afirmação de gênero, o que é reconfortante diante do aumento das preocupações sobre arrependimento”, disse Marianne van der Loos, autora do estudo.

        Atualmente, o Ministério da Saúde trabalha na regulamentação do novo Paes Pop Trans (Programa de Atenção à Saúde da População Trans), que poderá revisar diretrizes anteriores, como a portaria de 2013 que exige idade mínima de 21 anos para todas as cirurgias no SUS.

(Fonte: Gazeta Brasil)