O Pesadelo dos Thralls

Por: (*) João Ulysses Laudissi

        Entre os séculos VIII e XI d.C., nas regiões que hoje formam a Noruega, a Suécia, a Dinamarca e a Islândia, desenvolveram-se as sociedades nórdicas medievais — período conhecido como a Era Viking.

        Nessas comunidades existiam os thralls, que eram escravos ou servos. Muitos eram prisioneiros de guerra, pessoas endividadas ou descendentes de outros thralls. Trabalhavam na agricultura, nas casas, nas construções e em outras tarefas de servidão. Não tinham liberdade: eram considerados propriedade de seus senhores, podiam ser comprados, vendidos e até sacrificados em rituais. Raramente conseguiam se libertar, e quando isso acontecia, era por circunstâncias muito especiais.

        Com o tempo, o termo thrall passou a ser usado de forma simbólica, para representar qualquer pessoa que vive subjugada — não apenas fisicamente, mas também emocional, social ou culturalmente. Assim, a figura do thrall nos convida a refletir sobre as formas de aprisionamento que persistem, mesmo em tempos modernos.

        Diante disso, surge uma pergunta inevitável: será que a sociedade brasileira de hoje não vive um novo tipo de pesadelo de thralls?

        O thrall simbolizava a servidão e o aprisionamento humano. Na sociedade brasileira atual, as correntes não são de ferro, mas continuam a existir — invisíveis, porém eficazes. São algemas que prendem a mente, limitam o pensamento e reduzem os horizontes.

        Muitos se tornam thralls da economia, trabalhando sem descanso e sem alcançar a independência. Outros se tornam thralls da política, aprisionados em uma polarização que divide e enfraquece. Há também os thralls da tecnologia, reféns da própria imagem nas redes sociais, buscando validação a cada curtida. A escravidão moderna não vem apenas de fora: nasce também do conformismo que aceita injustiças e silencia sonhos.

        O maior risco é o adormecimento coletivo. Quando deixamos de acreditar que a mudança é possível, o pesadelo se torna rotina. Mesmo assim, ainda há faíscas de liberdade — na criatividade do povo, na solidariedade das comunidades e nas vozes que ousam questionar o que parece intocável.

        Se há thralls no Brasil de hoje, cabe a cada um de nós despertar. A liberdade não é um presente: é uma construção diária. Surge do pensamento crítico, da educação que liberta e da coragem de romper com as correntes invisíveis.

        No fundo, o pesadelo dos thralls é um espelho. Ele nos obriga a pensar se somos senhores ou servos de nossas escolhas, se vivemos como pessoas livres ou como prisioneiros disfarçados. Ao encarar esse espelho, percebemos que a liberdade não é um favor concedido — é uma conquista íntima, resultado da luta constante contra as sombras que tentam transformar nossos dias em noites sem fim.

 

(*) – Engenheiro, especialista em qualidade e professor, dedica-se a análises, gestão e educação.