Estariam muitos municípios brasileiros sendo administrados por intendentes, e não por prefeitos?
Por: (*) João Ulysses Laudissi – 20/11/2025
Ao longo da história política do Brasil, a forma de administrar os municípios mudou profundamente. Entre o final do período imperial e as primeiras décadas da República, quem ocupava o comando das cidades era o intendente, um cargo muito diferente daquele que hoje conhecemos como prefeito. Enquanto o intendente era nomeado para cumprir ordens, o prefeito é eleito para governar.
Essa transição marcou o amadurecimento democrático do país e consolidou uma gestão municipal baseada na autonomia, na responsabilidade e na participação da sociedade. Mas vale retomar ao espírito da pergunta que dá título a este texto: será que, na prática, ainda convivemos com a lógica dos intendentes? Embora o Brasil tenha incorporado, em lei, o modelo do prefeito eleito, ainda é possível observar, em muitos municípios, traços administrativos que lembram o antigo intendente — gestor com pouca autonomia, dependente das instâncias superiores e distante da população. O cargo desapareceu dos livros, mas a mentalidade, em alguns lugares, continua viva. E é justamente nesse desencontro entre a estrutura moderna e práticas antigas que surgem alguns dos maiores desafios da administração municipal.
O intendente não representava o povo nem construía um projeto de cidade. Limitava-se a executar tarefas e seguir orientações externas. Com a evolução republicana e, mais tarde, com a Constituição Federal do Brasil de 1988, o papel do prefeito passou a incluir planejamento, responsabilidade fiscal, transparência e participação social. Mesmo assim, certos hábitos administrativos parecem resistir ao tempo. É possível perceber isso na forma de governar de alguns prefeitos que centralizam decisões, ignoram equipes técnicas e desprezam estruturas de governança. Ao agir dessa maneira, aproximam-se mais do antigo intendente do que do gestor moderno.
Nessas situações, a administração deixa de ser processo e passa a girar apenas em torno da figura do governante. Outro traço dessa herança é a dependência permanente do Estado e da União. Em vez de desenvolver soluções locais, alguns gestores esperam repasses, autorizações e orientações externas, como se o município fosse apenas um departamento subordinado ao governo estadual. A atuação reativa — o famoso “apagar incêndios” — também remete à antiga função do intendente.
Muitos gestores atuais repetem esse padrão: não planejam, não acompanham indicadores, não pensam o futuro. Assim, a prefeitura deixa de ser governo e se reduz a mera administração.
A ausência da sociedade no processo decisório reforça esse quadro. No tempo dos intendentes, a população era chamada apenas para arcar com impostos e taxas. Hoje, ainda encontramos conselhos municipais desativados, audiências públicas esvaziadas e planejamentos elaborados sem diálogo.
Embora o cargo seja eletivo, a política em muitos locais continua centralizada. Chega de intendência. É preciso fortalecer a figura do prefeito em seu sentido pleno: alguém que planeja, coordena, dá transparência, envolve a sociedade e trata o município como uma unidade autônoma. O prefeito deve liderar politicamente, conduzir estratégias e representar a vontade popular que sustenta o governo com seus impostos.
Portanto, do ponto de vista legal, o Brasil é um país de prefeitos. Do ponto de vista cultural, muitos municípios ainda são administrados sob a lógica dos intendentes — não pelo cargo, mas pela mentalidade.
Enquanto essa cultura persistir, continuará a existir uma disputa silenciosa entre o prefeito que a lei desenhou e o intendente que certos hábitos insistem em manter vivo.
(*) – Engenheiro, especialista em qualidade e professor. Dedica -se a análises, gestão e projetos de treinamentos industriais.











