Carta escrita por detento ajuda a provar inocência de homem condenado a 7 anos de prisão por roubo que não cometeu
Enquanto estava no Centro de Detenção Provisória de São José do Rio Preto (SP), presidiário relatou conhecer os verdadeiros ladrões que praticaram o crime que fez Vinicius Villas Boas, de 37 anos, ser preso injustamente. Justiça reavaliou a sentença e absolveu réu.
Uma carta escrita à mão por um detento no Centro de Detenção Provisória de São José do Rio Preto ajudou a provar a inocência de um homem condenado a mais de sete anos de prisão em regime fechado por um roubo que não cometeu.
Ao G1, o analista de pricing Vinicius Villas Boas contou que foi preso ao ser confundido com um dos criminosos que participou de um roubo a residência em 2016. Ele sempre negou o crime, recorreu em todas as instâncias, mas mesmo assim acabou encarcerado no CDP de Rio Preto.
Na prisão, Vinicius conheceu um homem que relatou conhecer os verdadeiros ladrões que praticaram o crime e escreveu uma carta contando a história. A partir disso, a Justiça reavaliou a sentença do analista e, no último dia 21/março, publicou a decisão que o absolveu.
“A absolvição foi a melhor vitória da minha vida. Carregar a fama de ladrão me atrapalhou muito”, diz Vinicius, emocionado.
O roubo
Para entender melhor como um inocente foi condenado, é preciso voltar a 2013, quando Vinicius e a esposa grávida decidiram sair de São Paulo para montar uma pizzaria em Mendonça (SP), cidade com pouco mais de cinco mil habitantes.
Após trabalhar por dois anos como pintor para completar a renda, já que o empreendimento ainda não havia sido inaugurado, o analista de pricing foi surpreendido com um mandado de prisão. Na época, policiais também revistaram a casa dele, com intuito de apreender eletrodomésticos.
Na sequência, Vinicius foi encaminhado para a delegacia e apresentado como suspeito de roubar uma casa em José Bonifácio (SP). Paralelo a isso, também foi acusado de ajudar no furto de outra residência.
No boletim de ocorrência, a vítima do roubo descreveu que, no dia 17/fevereiro/2016, quatro homens invadiram a casa dela e roubaram mais de R$ 1 mil, além de um celular, uma corrente de ouro e dois frascos de perfumes, avaliados em R$ 1,4 mil.
Segundo o advogado do analista, a vítima reconheceu Vinicius como um dos envolvidos no crime, por meio de fotos apresentadas pelos investigadores. Apesar disso, a defesa alega que a aparência de Vinicius não batia com a descrição de aparência inicialmente fornecida pela mulher.
Pele negra
De acordo com o processo, no BO, a vítima relatou que o criminoso era um indivíduo forte, pardo e com cabelo “tijelinha”. Já Vinicius é negro e, na época do crime, era obeso e tinha o cabelo raspado.
Durante o andamento do processo, a mulher modificou sua descrição dos criminosos e deixou de reconhecer Vinicius como um dos envolvidos. Para a defesa do réu, a maneira como os investigadores conduziram o reconhecimento, por meio de fotos e, mais tarde, apresentando Vinicius com os trajes da prisão, influenciou a postura da vítima.
Para o analista, a cor da pele dele, uma das únicas semelhanças com o verdadeiro autor do roubo, influenciou na prisão, mesmo que ele negasse o crime.
“A cor influenciou muito. No primeiro dia, quando eu me mudei de São Paulo para Mendonça, a polícia me abordou na frente do banco achando que eu ia roubar, porque eles nunca tinham me visto na cidade. Engoli isso seco”, afirma.
Recursos
Além das características que não batiam com a descrição informada pela vítima, Vinicius tinha um álibi: o depoimento formal de um homem que confirmava que ele estava trabalhando como pintor no dia e horário do crime.
Diante das inconsistências, o advogado Nugri Campos entrou com recursos no STF (Supremo Tribunal Federal) e no STJ (Supremo Tribunal de Justiça), mas perdeu em todas as instâncias. Com os recursos esgotados, a sentença foi proferida, e Vinicius levado ao CDP de Rio Preto.
Enquanto cumpria pena por um crime que não cometeu, o analista conheceu o homem que viria a escrever a carta. O encontro representou uma verdadeira “luz no fim do túnel”, pois a defesa dele já havia esgotado todos os argumentos para tentar convencer a Justiça de que as provas do inquérito eram frágeis, insuficientes e não comprovavam a participação do cliente dele no roubo.
Com a possibilidade de apresentar novas provas para a sentença ser reavaliada, o advogado foi ao presídio para conversar com o detento, que afirmou conhecer toda a história de Vinicius, além de saber quem eram os verdadeiros culpados pelo roubo.
Nugri, então, pediu que o preso escrevesse a carta à mão e a entregou à Justiça. Com ajuda da advogada Ingryd Silvério, uma audiência online foi marcada, e o preso contou ao juiz tudo que havia escrito.
Absolvição
Na ocasião, o TJ-SP entendeu, depois de sete anos, que a condenação de Vinicius contrariou o conjunto de provas. Após dois anos e dois meses preso, sendo quase dois anos em regime fechado, ele foi liberado.
“Dessa feita, inexistindo provas produzidas em juízo para afiançar a autoria do fato, estando a condenação do peticionário fiada em prova nula e vazia e havendo prova de sua inocência, resta a esta Relatoria deferir o pedido revisional para absolver Vinícius Silva Villas Boas”, alegou o TJ-SP no acórdão.
Agora, o advogado luta para provar a inocência de Vinicius em outro processo, aberto para julgar o crime de furto. Uma nova audiência online será marcada em breve.
“Sou um advogado negro e eu já estou nesse cenário jurídico a muito tempo. Sei que existe muito racismo estrutural envolvido nesse momento. Entendo que esses equívocos são uma falha, uma forma do sistema buscar simplificar procedimentos que devem ser respeitados de acordo com a lei e colocam pessoas inocentes nessa encruzilhada de acusações”, afirma Nugri.
De acordo com o advogado, o homem apontado na carta como sendo o verdadeiro autor do roubo ainda não foi investigado. Outros dois suspeitos citados foram absolvidos em primeira instância e um terceiro foi condenado na mesma época de Vinicius.
Com a inocência comprovada, Vinicius diz que conseguiu respirar novamente, mas relembra que, durante anos, a angústia e o medo o acompanharam até mesmo dentro de casa.
“Falava para o meu filho que estava trabalhando quando estava preso. Até hoje, quando saio de casa, ele pergunta: ‘você vai voltar, né, pai?”‘, afirma.
(Fonte: G1 São José do Rio Preto e Araçatuba)