Vaza Toga: TSE acessou dados da polícia de São Paulo após pedido informal de segurança de Alexandre de Moraes
Um PM (policial militar) que integra a equipe do ministro Alexandre de Moraes no STF (Supremo Tribunal Federal) fez solicitações fora do procedimento formal para a produção de relatórios direcionados ao setor de combate à desinformação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Conforme diálogos de WhatsApp obtidos pelo jornal Folha de S. Paulo, não foi apenas o juiz auxiliar Airton Vieira, principal assessor de Moraes no STF, que solicitou, por vias informais, o levantamento de dados a Eduardo Tagliaferro, então chefe da AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação) do TSE.
O policial Wellington Macedo, lotado no gabinete de Moraes no STF, também fez pedidos a Tagliaferro para investigar questões relacionadas à segurança do ministro e de seus familiares, incluindo vazamento de dados pessoais e ameaças enviadas para números associados ao magistrado ou publicadas nas redes sociais, além de informações sobre prestadores de serviço na residência do ministro.
Em um dos casos, Tagliaferro mencionou que obteve informações sigilosas com a ajuda de um policial civil de São Paulo, cuja identidade ele recomendou que fosse mantida em segredo.
O uso da assessoria especial do TSE para questões de segurança relacionadas a Moraes ultrapassa as atribuições do órgão, que é de natureza administrativa e voltado à Justiça Eleitoral, sem competência para conduzir investigações criminais.
A proteção dos ministros do STF é responsabilidade da Secretaria de Segurança do STF, composta por policiais judiciais e, quando necessário, reforçada por agentes de outras corporações, como a Polícia Federal.
Quando há ameaças aos ministros, a praxe é que a Secretaria de Segurança do STF receba as informações e as repasse para as autoridades competentes, como a Polícia Federal ou a polícia estadual.
O gabinete do ministro também pode acionar a polícia diretamente para solicitar uma investigação, em caso de suspeita de crime.
As mensagens que expõem os pedidos de investigação feitos por Macedo ao setor de combate à desinformação do TSE estão entre os mais de 6 gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp por assessores de Moraes, incluindo Airton Vieira e Eduardo Tagliaferro.
Esses diálogos revelam um fluxo de informações fora do protocolo entre o STF e o TSE, com o setor de combate à desinformação da Corte Eleitoral sendo utilizado como uma espécie de núcleo alternativo de investigação para subsidiar um inquérito no STF, relacionado ou não às eleições de 2022. Em muitos casos, os alvos das investigações eram escolhidos pelo ministro ou por seu juiz assessor.
Os diálogos também indicam que os relatórios eram ajustados quando não satisfaziam o gabinete do STF e, em alguns episódios, eram elaborados sob medida para embasar ações específicas, como multas ou bloqueios de contas e redes sociais.
Em áudios, o juiz auxiliar de Moraes expressou preocupação com o modo de operação dos gabinetes do ministro, observando que, se questionada formalmente, a situação pareceria “muito descarada”, referindo-se ao fato de um juiz instrutor do Supremo solicitar informações diretamente a um funcionário do TSE e este, sem hesitação, enviar um relatório.
Em 21/agosto/2022, apenas cinco dias após a nomeação de Tagliaferro no TSE, as mensagens mostram que ele já estava trabalhando em uma investigação solicitada pelo segurança de Moraes.
O PM enviou mensagens para Tagliaferro por volta das 14h30, perguntando se ele ainda estava trabalhando no “dossiê” e esclarecendo que a consulta era apenas para “atualizar o ministro”. Tagliaferro respondeu que estava preparando o levantamento dos dados e prometeu entregar o relatório no mesmo dia.
Às 21h58, Tagliaferro encaminhou ao policial um relatório intitulado “Ameaça ministro”, no qual analisava mensagens de WhatsApp enviadas a familiares de Alexandre de Moraes. O objetivo era identificar a fonte de um vazamento de dados pessoais de Alexandre de Moraes e de seus familiares.
Em uma das mensagens, Tagliaferro informou ao PM que usava senhas de acesso ao sistema da Segurança Pública de São Paulo, graças à confiança que mantinha com um amigo policial, sugerindo ainda que os dados de Alexandre de Moraes e de seus familiares fossem tratados como os de policiais, de forma a garantir anonimato.
Ele também recomendou que os números de telefone utilizados por Alexandre de Moraes e seus familiares fossem registrados em nome de outras pessoas ou anonimizados nas operadoras de telefonia.
Dois dias depois, após a filha de Alexandre de Moraes receber mensagens de ameaça, o segurança do ministro acionou novamente Tagliaferro para identificar o responsável.
Tagliaferro enviou informações sobre o registro do telefone que enviou as mensagens e, a pedido do PM, elaborou um relatório para que o ministro pudesse instaurar um inquérito, como havia feito anteriormente.
Em 31/agosto, o setor de combate à desinformação do TSE foi mais uma vez acionado para investigar uma pessoa que fez ameaças a Alexandre de Moraes em um vídeo replicado em grupos no Telegram.
No dia seguinte, o segurança de Alexandre de Moraes enviou o nome de uma pessoa e solicitou que Tagliaferro levantasse informações sobre ela, o que foi atendido prontamente.
Ao longo do mês de setembro, novos pedidos foram feitos, incluindo a solicitação de informações sobre um número de telefone e sobre a origem de encomendas recebidas pela esposa de Moraes.
Durante o período eleitoral, o segurança de Moraes continuou a pedir investigações a Tagliaferro, relacionadas a ameaças ao ministro e sua família, o que resultou em relatórios que foram encaminhados ao ministro para posterior ação.
A eficiência de Tagliaferro em atender às solicitações rendeu-lhe elogios por parte do segurança de Moraes, que destacou a excelência do trabalho realizado.
Em 16/novembro, após Alexandre de Moraes receber novas ameaças via WhatsApp, Tagliaferro enviou um relatório sobre o vazamento do número de telefone do ministro, identificando duas pessoas responsáveis pelas consultas que resultaram na divulgação dos dados de Moraes.
No final de novembro e início de dezembro, o segurança de Moraes continuou a acionar Tagliaferro para levantar informações sobre manifestações e visitas ao prédio de Moraes em São Paulo.
Em um dos casos, o assessor do TSE enviou um documento, aparentemente um boletim de ocorrência, com informações sobre a pessoa investigada.
Em nota, o gabinete de Moraes afirmou que todos os procedimentos foram realizados de forma oficial, regular e devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com a integral participação da Procuradoria-Geral da República.
(Fonte: Gazeta Brasil)